Hoje pela manhã recebi um vídeo de um entre os tantos protestos que tomaram o Chile em 2019 em razão da forte crise econômica, fruto de um modelo neoliberal que, até aquele momento, servia de exemplo para nosso Cone Sul.
Milhares
de chilenos tomaram as ruas do país para gritar “basta” ao Estado que pesa nas
costas de quem trabalha e não está presente para garantir direitos sociais e
amparo para os que dele necessitam.
Estado
que perpetua privilégios de bancos e elite econômica e toma daqueles que
trabalharam a vida toda o direito de se aposentar com o mínimo de dignidade,
levando, inclusive, alguns deles a atentar contra a própria vida por não terem como se manter.
O
vídeo emociona aos que se identificam como povo, que não se olham, portanto, em
espelhos que não refletem a própria imagem. Nele vê-se uma multidão empunhando
bandeiras e cantando um hino de levante popular, que exalta a FORÇA que nasce
da UNIDADE; um chamado ao despertar com destino à liberdade, levantando a
cabeça daquele que se tenta oprimir para que ostente sua dignidade. É uma
música que ecoa o dia todo na cabeça e dá um calor no coração.
No
último domingo, 25 de outubro de 2020, o povo chileno foi às urnas para dizer
se queria a instauração de uma assembleia constituinte para votar uma nova
Constituição para o país.
Eu
particularmente não sabia que o Chile não havia rompido com a Constituição da
ditadura Pinochet. Entretanto, cada país sul-americano saiu de sua ditadura
como pôde; nós brasileiros saímos anistiando os crimes perpetrados pelos militares
e seus comandados e hoje sentimos o que essa impunidade significa. A Argentina
foi certamente a que melhor saiu de sua ditadura, instaurando uma assembleia
constituinte e levando seus militares ao banco dos réus e às prisões. Chile,
assim como nós, saiu como pôde; fazendo concessões como a de suportar uma
Constituição de regime ditatorial.
O
plebiscito mostrou que 80% dos chilenos querem uma nova Constituição. A
assembleia constituinte será instaurada em abril de 2021, com parlamentares que
ainda serão eleitos pelo povo, garantida uma representatividade de 50% das
vagas para mulheres e 50% para homens. Já nasce consciente de que igualdade
deve ser garantida para afastar séculos de patriarcado institucionalizado.
Sinto-me
feliz e esperançosa pelos chilenos, pois me vejo como classe trabalhadora, povo,
brasileira e sul-americana. É diante deste espelho que vejo minha imagem refletida.
Uma
amiga para qual mandei o vídeo disse ter chorado, não apenas pela beleza que
lhe é inerente, mas por sentir que nós brasileiros estamos tão distantes de
semelhante consciência de classe.
Não há
como negar esse sentimento. Nossa sociedade é comandada por uma elite predadora
e especulativa que não se interessa por produzir; uma classe média que pensa
ser elite por ter tido acesso à educação e bons salários, que proporcionaram aos
seus integrantes viajarem para os mesmos lugares antes reservados aos seus patrões
e uma classe abastada. A classe mais baixa da população ascendeu socialmente e
ocupou espaços na cena social. Chegamos a ocupar o posto de sexta economia
mundial, depois de termos saído do mapa da fome.
O que
deu errado? Uma pesquisa realizada há anos atrás traçou um perfil dos
brasileiros quanto à essa ascensão social. Chamou minha atenção justamente a
falta de consciência de que tudo o que havia sido conquistado nos últimos anos
era fruto de políticas públicas, de preceitos constitucionais finalmente
cumpridos, como acesso à saúde, educação, emprego e demais direitos sociais.
Vários
fatores foram levantados para o que o brasileiro havia conquistado em sua ascensão
social; mérito próprio, sorte, vontade divina...
Infelizmente
a nós brasileiros falta muita coisa, mas a principal é mesmo a consciência de
quem somos de verdade.
Talvez
tenha sido a maldição do nosso próprio hino nacional:
“(...)
Brasil, um sonho intenso (...)
(...) Gigante
pela própria natureza,
És
belo, és forte,
Impávido
colosso,
E o
teu futuro espelha essa grandeza.
(...) Deitado
eternamente em berço esplêndido (...)”
Os
trechos acima nos dão alguns indícios do que se passa conosco; vivemos num
sonho, somos um gigante adormecido à espera do futuro (que nunca chega), deitado
ETERNAMENTE em berço esplêndido.
Que ao
menos saibamos apreciar a beleza daqueles que se despertaram.
Chile
despierto! No vuelvas a dormir.